segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A Música Brasileira através da palavra

Eduardo Boni

Num tempo em que a Rede Globo ainda não mandava no Brasil nem comandava, com uma eficiência absurda, um exército especializado em emburrecer até as melhores safras de cabeças, eles eram um dos grandes referenciais de cultura na Terra Brazillis. Pelos seus palcos passaram, nasceram, morreram grandes nomes da MPB e – por que não dizer – criou-se um estilo convenientemente batizado de Música Popular Brasileira.

No ano que passou, os festivais de música foram relembrados e festejados como uma mostra do que de melhor se produziu na cultura brasileira através de dois lançamentos: Prepare o Seu Coração, de Solano Ribeiro, e A Era dos Festivais – Uma Parábola, de Zuza Homem de Mello, que, apesar de abordarem o mesmo assunto, são muito distintos.

Escrita sob um ponto de vista muito pessoal, Prepare o Seu Coração parece com um diário envelhecido pelo tempo e cheio de distantes lembranças. Escrito pelo decano dos festivais de MPB, narra os bastidores dos festivais pela visão privilegiada de seu criador, e aí está o problema, pois espera-se um conteúdo muito mais aprofundado no que se refere à música. Infelizmente, isso não acontece e o livro perde um pouco do fôlego inicial ao misturar teatro, cinema, dores e amores e relatos sobre viagens ao redor do mundo. A partir dai, o texto vira um enorme novelo de doces e amargas recordações, decepções e experiências que nada tem a ver com música, apesar desta ter sido o fio condutor de todas elas. Mesmo assim algumas passagens são muito saborosas, como o affair com Elis Regina e o período de fome durante o Midem, na França, além de eventos de música mais recentes que tiveram a sua participação, como o global Festival dos Festivais.

Em A Era dos Festivais – Uma Parábola, o aspecto do bom trabalho jornalístico é valorizado e a história contada de maneira tão leve e sensível, que praticamente nos obriga a ler o livro como um delicioso romance. Romance desses de época, numa época em que a estética motivava verdadeiras batalhas campais em nome de MPB.

Nele, estão descritos os motivos que tornaram os festivais de música popular tão grandiosos, capazes de movimentar milhares de pessoas em torcidas fanáticas, assim como aqueles de acabaram por detoná-los, transformando-os numa lembrança do que melhor se produziu em termos de Música Popular Brasileira. A história começa em 1960, com a I Festa de Música Brasileira, festival realizado no Guarujá, e vai até a sétima e última edição do FIC (Festival Internacional da Canção), realizado em 1972.

A efervescência cultural dessa época aparece devidamente contextualizada com o período histórico no qual o regime militar ditava as regras e obrigava os artistas a submeter suas músicas ao crivo da censura, criando situações tensas e, por vezes, hilárias. Estão registrados também o nascimento da Jovem Guarda e do Tropicalismo, nos quais dissonantes guitarras elétricas foram adicionadas à música, gerando protestos veementes da ala mais conservadora, que, tendo à frente Elis Regina, chegou a promover a famosa “passeata contra as guitarras”. Além de passagens revelando a forma como foram escritos alguns dos maiores sucessos da MPB sob o ponto de vista do músico, Zuza fala sem pudores sobre os motivos que levaram ao fim dos festivais e que podem ser resumidos por uma declaração de Solano Ribeiro: “A Rede Globo ficou cansada de resolver problemas políticos. A Globo se desinteressou por festival. Preferiu parar e parou”.

Dois livros, duas visões diferentes, mas acima de tudo, dois documentos históricos para aqueles que querem entender com um pouco mais de profundidade o que foi a cultura brasileira nos anos 60 e 70 retratada através da música.

Prepare Seu Coração
Solano Ribeiro

Geração Editorial
256 págs.
R$ 48,00

A Era dos Festivais – Uma Parábola
Zuza Homem de Mello

Editora 34
520 págs.
R$ 54,00

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